Materiais Magnéticos

domínios magnéticos em dois grãos vizinhos

A microestrutura e o comportamento magnético dos materiais

Há mais de cem anos os materiais magnéticos tem estado presentes nas  nossas vidas, no trabalho e no lazer. O que têm em comum os aços que amplificam o torque dos motores, os filmes finos que guardam as informações de seu disco rígido e os ímãs dos alto-falantes? A presença dos domínios magnéticos, regiões onde bilhões de átomos alinham os spins de parte de seus elétrons   numa única direção, criando um campo magnético milhares de vezes mais forte que o campo magnético do planeta.

A microestrutura (a forma como os cristais se organizam no interior dos materiais) controla o comportamento magnético das várias famílias de materiais utilizados comercialmente, e isso justifica o esforço de  pesquisa desses materiais no Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da USP.

Uma das funções mais importantes dos materiais magnéticos é contribuir na transformação da energia elétrica em energia mecânica, em movimento. Melhores materiais tornam  mais eficiente essa transformação, contribuindo assim para a Conservação da Energia, no país e no mundo. 

            A família de materiais magnéticos de maior importância para a economia brasileira é a dos aços para fins eletromagnéticos, cuja principal função é amplificar o campo magnético criado pelos correntes elétricas. Essa família inclui os aços siliciosos e os aços baixo-carbono. O artigo Non-oriented Electrical Steels é uma revisão que publicamos em 2012, que dá uma ideia geral da relação entre microestrutura e propriedades. O artigo  Propriedades magnéticas dos aços para fins elétricos (escrito em 2001) apresenta os fundamentos científicos da interação entre microestrutura e propriedades magnéticas e, mais especificamente, as Perdas Histeréticas como indicador de qualidade de processamento de um aço elétrico.

                Numa perspectiva mais específica, mais voltada ao processamento desses materiais,  o controle do tamanho de grão e da textura cristalográfica desses materiais e seus efeitos na propriedades magnéticas foram reportados numa revisão feita em 2001. A laminação de encruamento (conhecida como “skin-pass” e “temper rolling”), o recozimento final descarbonetante dos  aços elétricos e a busca da textura ideal  têm sido objeto de vários artigos, desde 1994, com destaque para a tese de doutorado de Marcos Flávio de Campos e os mestrados de P.S. Carvalho, R. Takanohashi, J. Penin  e S. Melquíades e a importante contribuição de Taeko Yonamine em seu pós-doutorado no IPT. Esse conjunto de informações consolidou-se num Curso sobre aços para Fins Eletromagnéticos, oferecido mais de vinte vezes desde 1993.

            Uma segunda família de materiais cobre as ferritas de manganês zinco, que são cerâmicas magnéticas de composição (Mn, Zn, Fe)O.Fe2O3  muito usadas em todos os carregadores de bateria que nos circundam, pela sua baixa dissipação de energia em freqüências eletromagnéticas da ordem de 100 kHz e pela sua relativamente alta saturação magnética.

            Ligas especiais, como as ligas níquel-ferro conhecidas como permalloy e mumetal, que apresentam altíssima permeabilidade magnética (de 50.000 a 200.000) também foram objeto de pesquisa, especialmente o efeito da composição química e do recozimento final na permeabilidade magnética e no campo coercivo 

  
        No campo dos ímãs permanentes, que são materiais de alta coercividade, ou seja, que resistem à desmagnetização, tivemos envolvimento com a pesquisa de três famílias desses materiais: dois superímãs de terras-raras (os ímãs de neodímio-ferro-boro, e os ímãs de samário-cobalto) e  os ímãs mais usados no Brasil e no mundo, os ímãs cerâmicos de ferrita de bário. Desde 2017, um grupo de pesquisadores de várias universidades e centros de pesquisa brasileiros trabalham conjuntamente para ajudar a viabilizar a cadeia produzita dos ímãs de terras raras no Brasil, no INCT Terras Raras.

            Mesmo aqueles geralmente considerados como materiais não-magnéticos, como os aços inoxidáveis austeníticos, podem eventualmente apresentar alguma permeabilidade, condição desfavorável em certas circunstâncias. Duas causas devem  ser consideradas para esse comportamento anômalo: a formação de uma fase magnética (martensita) induzida por deformação plástica ou a sobrevivência de uma fase magnética (ferrita delta) por desbalanceamento de composição química ou por segregação.

            Até mesmo a água, ou mais precisamente as soluções aquosas, que são substâncias diamagnéticas –   fracamente repelidas pelo campo magnético --  mostram surpreendentes alterações após exposição ao campo magnético: a tese de A.M.B. de Freitas demonstrou que  a temperatura de início de cristalização de sulfato de zinco a partir de solução aquosa foi reduzida em aproximadamente 5º C. Esses resultados foram publicados em algumas revistas. É importante não confundir essas evidências com outros efeitos obscuros, não comprovados, da exposição da água a campos magnéticos. Não foi possível confirmar os efeitos do campo magnético nas propriedades físicas mais facilmente medidas na água, como pH, tensão superficial e condutividade, mas a pesquisa continua.

            Outra vertente interessante, ainda relacionada com o comportamento magnético dos materiais, é o uso da propriedade magnética como sonda indireta da microestrutura. Costuma ser difícil caracterizar a microestrutura de materiais cujas propriedades mecânicas são determinadas por tamanhos de grão em torno de um micrometro e precipitados nanométricos, como é o caso dos aços  para gasodutos e dos aços temperados e revenidos. É comum partir-se dos dados de propriedades mecânicas e conceber uma microestrutura que a pudesse explicar.

Textura Cristalográfica

          Grande parte dos materiais metálicos e cerâmicos são integralmente compostos por microcristais. No interior de cada cristal os átomos estão organizados num empacotamento tridimensional, todos eles enfileirados em  linhas retas com desvios quase nulos. Cristais são conjuntos de átomos muito bem organizados, tanto que é possível falar de "direções cristalinas" e "planos cristalinos" que tem posição muito bem definida dentro de cada cristal. Por razões históricas, nós, engenheiros metalurgistas e engenheiros de materiais chamamos "grãos"  a esses cristais. Os físicos costumam chamar de cristalitos.

             Os átomos podem estar organizados de diferentes formas, nesses cristais: podem formar arranjos cúbicos ou paralelepipédicos ou hexagonais ou outras quatro formas. Os átomos de ferro no estado metálico, por exemplo, organizam-se em arranjos cúbicos. São milhões de cubos empilhados muito precisamente. A distância entre os átomos de ferro é de 0,252 nm. As arestas de milhões de cubos alinham-se paralelamente, de maneira que podemos dizer que uma das 3 arestas dos cubos de um determinado cristal (formado por milhões de cubos) está orientada em determinada direção do espaço.

             Numa chapa de aço, é fácil escolher um referencial de direção. Pode ser, por exemplo, a direção do comprimento da chapa. Posso então dizer que um determinado cristal tem sua aresta alinhando-se paralelamente ao comprimento do cristal. Imagine agora que essa chapa de aço de 1mm de espessura, é composta por milhões de "grãos", cada um deles medindo 10 micrometros de diâmetro. Como cada um é um cristal, posso referir-me à orientação espacial de cada um dos cristais. Textura cristalográfica é isso: a descrição da distribuição das orientações dos cristais no interior de determinado material, em relação à um referencial geométrico desse material.

           Algumas propriedades físicas dos materiais são anisotrópicas, ou seja, sua intensidade varia conforme a direção em que eu a meço. As propriedades magnéticas são muito anisotrópicas. É muito mais fácil magnetizar um monocristal de ferro numa direção paralela a qualquer das arestas do cubo do que em qualquer outra direção. Numa chapa de aço para transformador, a permeabilidade magnética na direção do comprimento da chapa é centenas de vezes maior que a permeabilidade medida na direção da largura da chapa. Isso acontece por que numa chapa para transformador, quase todos os grãos estão orientados de maneira que uma das arestas do cubo está orientada paralelamente ao comprimento da chapa. Como o cubo está posicionado de modo que as outras duas arestas estão mergulhando para o interior da espessura da chapa, a direção da largura da chapa não é a direção das arestas do cubo e, portanto, é mais difícil magnetizá-lo nessa direção. Dizemos que a textura dessa chapa é muito forte, quase todos os cristais estão orientados numa única direção. isso não é comum. Outros materiais terão cristais orientados em muitas direções.